Pais em Ação | Adaptação escolar: como lidar com o afastamento e inseguranças
Nós já conversamos aqui sobre a volta às aulas e demos várias dicas. No entanto, a adaptação escolar – assunto tão sensível para muitas famílias – precisava ser aprofundado. Por isso, nossa colunista Daniela Nogueira, do Pais em Ação, traz uma reflexão importante sobre o tema. Confira:

Foto: Rodnae Productions on Pexels
Adaptação escolar com calma e respeito
Mãe e bebê irão enfrentar um grande passo, a separação! Como professora em São Paulo e no Rio de Janeiro, eu participei deste processo tão importante na vida familiar. Na época, eu não tinha filhos ainda e por mais que eu já tivesse um olhar de respeito para o bebê e sentisse empatia pela angústia das mães, hoje consigo ver que eu não sabia realmente o que elas estavam passando.
Eu as confortava, acolhia, mas não tinha a vivência para compreender o incompreensível: quão avassalador pode ser separar-se da sua cria mesmo que, racionalmente, você sabe que tudo vai ficar bem. Hoje quero escrever sobre o tema com uma visão mais madura e também mais profissional. Não apenas me tornei mãe, mas também me aprofundei no estudo da primeira infância e numa abordagem que busca pensar em como acolher melhor uma criança pequena num ambiente que não é a casa dela.
Vou começar com uma frase que ouvi da Agnès Szanto: “A criança vive na família uma história e na escola, um capítulo”. Quando um bebezinho chega na escola, que escola chega para este bebê? É um local emocionalmente acolhedor, fisicamente seguro e cognitivamente apropriado? Tem uma professora curiosa e pronta para entrar numa relação? Não dá para fugir disso: adaptar é fazer vínculos! O bebê encontrará perguntas ou ordens? Mãos e rostos carinhosos ou pressa de fazer e acontecer?
A criança é da família. É ali que ela se sente pertencendo, então quando se propõe uma parceria escola-pais, é importante que os pais entendam que a escola não tem todas as respostas e que precisa de ajuda para conhecer quem é o filho deles. É igualmente importante escutar os pais, pois para acolher o bebê é necessário acolher os pais e dar oportunidades para que falem do filho e assim construam juntos um olhar compartilhado sobre o bebê e seu desenvolvimento particular. Isso leva tempo.
“Mas quanto tempo?” Já me perguntaram várias pessoas. Para entender que não existe resposta padrão é preciso compreender que não existe “a criança padrão”. Existe a Carolina, existe o Pedro, o Benjamin, a Olivia… E que cada uma destas pessoinhas conseguirá explorar o mundo (a escola) quando o medo do desconhecido for neutralizado – e isto acontece quando se estabelecem relações afetivas seguras para que pouco a pouco a criança se abra para o novo.
Como pode haver espaço para o novo ou para aprender quando não nos sentimos seguros? A figura da professora de referência é essencial aqui – é ela que irá começar com seu filho uma relação. Aliás, chamá-la pelo nome e não de “tia” ajuda a individualizar ainda mais a relação dela com o seu bebê. Falar dela e da escola de forma positiva e confiante ajuda o bebê a sentir segurança. Assim como chamar a mãe pelo nome ajuda a construir uma conversa entre dois adultos e não deixa esta mãe apenas na função maternal.
Para algumas mães é essencial o exercício de se manter consciente para não misturar ou projetar as próprias angústias com as vivências que ela vê o filho ter ali durante o período de adaptação. Lembrem-se de que é preciso dar espaço ao bebê e passar confiança na instituição que você escolheu. Já vi momentos em que foi mais difícil para a mãe falar tchau do que para o bebê e vi também situações onde a adaptação foi sabotada por conta disso.
Mães, lidem com seus sentimentos sejam eles quais forem, pois assim vocês ajudam seus filhotes. Se preciso, procurem ajuda. Não existe regra de dias de adaptação e como bem disse Myrtha Chokler, o primeiro elemento de desrespeito acontece ao dizer “a esta altura fulano já deveria estar adaptado” – uma criança não nasce “devendo estar” nada!
Assim como os adultos, as crianças pequenas também têm seus altos e baixos, um dia estão mais seguras, outros menos e assim vamos seguindo tentando oferecer à elas uma parte da segurança que elas têm em casa. Mas como? Num primeiro momento o bebê ainda precisa da mãe (ou outra pessoa quando a mãe não pode adaptar) para sentir-se seguro.
Afinal, como construir segurança na insegurança (sem a mãe)? Mas depois, com sensibilidade e tempo, ele vai entender que pode SIM estar seguro mesmo a mãe estando longe. Mas este é um segundo momento, quando a professora foi criando laços com seu filho e ele fez um vínculo com ela. Isso é adaptar. Uma arte, a arte de aguardar.

Foto: Yan Krukov no Pexels
O papel de professores e escolas na adaptação escolar
Gostaria de trazer mais detalhes que podem ajudar neste processo. Talvez este texto interesse mais aos profissionais da área, mas é importante que os pais saibam os motivos pelos quais a escola faz o que faz. No começo da vida escolar os esforços da equipe estão voltados para criar vínculos e ajudar a criança a unir as experiências que ela tem em casa ali no coletivo.
Isto não é brincadeirinha, distração, etc. Quando trabalhamos com a primeira infância, estamos à serviço de uma construção social e psíquica bem sólida e isto é muito sério. É através dos cuidados da professora que a criança vai sentir-se segura para estabelecer relações com o grupo não só durante a adaptação, mas também na vida em coletividade e a professora encarnará a segurança das crianças.
A creche/pré-escola é um lugar para aprender a viver e conviver e ali vai acontecer a socialização primária da criança. É por isso que sempre escrevo que a pessoa que ESCOLHE esta profissão tem o DEVER de estudar e aprofundar-se no desenvolvimento infantil, suas relações em grupo e como se fazer presente na vida das crianças sem passar por cima delas, sem exigir delas aquilo que não estão prontas para dar. Requer estudo e supervisão. Enquanto enxergarmos a profissão da primeira infância como um trabalho menor ou menos importante, estaremos estagnados na educação do país.
Se uma criança estiver com dificuldades de estar na escola ou no grupo é importante dar acolhimento, ter compaixão e empatia por ela, que ainda está em desenvolvimento. Dizer: “você não está na sua casa e aqui as coisas não são assim” não ajuda um aluno, isto o divide internamente ainda mais. Ajudar alguém a se adaptar a um novo ambiente não precisa ser feito de maneira tão opositiva, tão radical.
Precisamos unir as experiências ’casa-escola’ e não separá-las. É muito difícil para a criança escutar frases deste tipo, isto a deixa ainda mais angustiada e pode a desorganizar psiquicamente. Percebem a delicadeza desta profissão? É importante ser dócil mesmo diante dos momentos mais difíceis. Não devemos tentar calar o choro, mas trabalhar na causa dele, encontrar recursos para ajudar a criança a sentir que ela está segura e que poderá ser feliz e competente.
Para isso devemos nos manter bem presentes, narrar algumas situações ajuda o profissional a não se desligar e divagar mentalmente enquanto cuida da criança. Porém, na hora livre, que todos os bebês e crianças devem e merecem ter, a profissional precisa saber estar presente sem interromper, disponível sem intromissão. A grande protagonista é a criança, não a professora.
Já vivi momentos no tanque de areia onde poderia estar cantando e batendo palmas, “mostrando serviço”, mas quanto desrespeito teria sido! Anos atrás, na adaptação de uma pequena estrangeira, que não falava nem inglês muito menos português, aprendi como o silêncio, os olhares e a gentileza podem tocar muito mais o coração de uma criança.
Durante uma rodinha de leitura, ela preferiu virar-se de costas para o grupo e segurava um livro de ponta cabeça. Eu poderia ter “incluído” ela de volta na roda, mas isso não teria sido uma inclusão e sim um afrontamento à dificuldade que ela estava sentindo de estar ali. Poderia ter virado o livro na posição correta para lhe mostrar “como se faz” ou mostrar que eu me importava com ela, mas isso teria sido um desrespeito ao trabalho mental que ela está desenvolvendo.
Num breve momento em que trocamos olhares, ela me deu um sorriso, um laço foi criado. Sem barulho, sem estardalhaço, só com respeito. Mesmo quando aos olhos de quem passasse por aquela sala tudo parecesse ao contrário! Com este relato, espero finalizar o post mostrando como é importante debatermos esses assuntos, como se faz necessário o apoio não só à criança, mas ao professor. Precisamos nos fortalecer e isso acontece estudando e dividindo experiências!
Até a próxima coluna,
Daniela Nogueira.